segunda-feira, 5 de maio de 2008

PROGRAMA Nº 7


Em nosso sétimo programa o entrevistado é o mineiro Ricardo Aleixo. Nascido em Belo Horizonte, no ano de 1960, é poeta, artista visual e sonoro, compositor, performador, ensaísta e professor de Design Sonoro na Universidade Fumec. Publicou, entre outros, os livros Trívio e Máquina Zero. É um dos poetas presentes na antologia Esses poetas – Uma antologia dos anos 90 (Aeroplano, 1998). Como solista ou integrante da Cia. SeráQuê? e do Combo de Artes Afins Bananeira-ciência, já se apresentou na Argentina, na Alemanha, em Portugal, na França e nos EUA. Desde julho de 2007 concentra suas atividades de criação e pesquisa no LIRA (Laboratório Interartes Ricardo Aleixo), onde também oferece oficinas, cursos e aulas particulares nas áreas em que atua. Mantém o blog http://www.jaguadarte.blogspot.com/.

Nas dicas culturais, quem nos dá suas sugestões é o poeta Fabio Weintraub.

O quadro sonar traz esta semana a adaptação sonora - feita por Rafael Agra sobre a leitura de Celso Borges - do poema “de uma crítica publicada num suplemento cultural de domingo”, do livro Evidências Pedestres, de Paulo Ferraz.

A trilha incidental do programa conta com trechos das seguintes músicas: 1)”1 x 0”, de Pixinguinha, 2) "Fio maravilha", de Jorge Bem e 3) Prélude à l’après midi d’un faune, de Claude Debussy.

DE UMA CRÍTICA PUBLICADA NUM SUPLEMENTO CULTURAL DE DOMINGO


I. (o artista : um retrato)

A estréia de J.G.C. aos
32 anos, na quinta-
feira, é a certidão de nasci-
mento de um artista em dia com as
demandas de nosso tempo.
Tendo, nos últimos 12
se dedicado a oficinas,
cursos, viagens e visitas
a exposições, sua obra pôde es-
perar o momento certo
para eclodir, não sofrendo
da habitual ingenuidade
que caracteriza todos
os dublês de Duchamp, pois o
seu domínio sobre o espaço e
sobre a matéria é absoluto,
bem como sua força suges-
tiva, tanto que estimula
sensações inexistentes
em um público pouco ou nada
familiarizado com a
realidade que retrata.


II. (o artista : depoimento)

Estudei dos 20 aos 30
na Europa, tempo de intenso a-
prendizado, mas só conto os
dois anos depois da volta, es-
senciais para a concreção do
meu estilo, pois passei longos
meses nas ruas e favelas,
freqüentei cortiço, abrigo e
bueiro, conheço essa gente
pelos nomes, inclusive
seus cachorros, cheguei mesmo a
me sentir igual a eles.

III (a obra : o conceito)

Foi essa bizarra experiência
que lhe permitiu trazer à
galeria sacos e sacos
de latinhas de alumínio,
pilhas de papelão (os quais o
público pode tocar) e
duas carroças que estão livres
para quem quiser puxá-las.
A cena é um divertimento à
parte: há muito riso, já que
nem sempre os músculos das a-
cademias são aptos para
vencer os quilos de entulho. As
demais obras aprofundam-
se nesse universo excluído:
bancos (camas) de concreto
salpicados de excrementos,
panos puídos pendurados,
secando ao sol (um holofote) --
fachos que atravessam os furos
criam uma trama no espaço
--, cobertores embebidos
em querosene na espera
de um fósforo e, o principal, um
barraco inteiro, legítimo,
no qual entram dez pessoas de
cada vez. Lá: colchões velhos,
recortes tampando as frinchas
das paredes (o olho atento a-
qui diferencia as texturas
de cada, das tantas, tábua),
panelas com restos pelos
cantos e roupas imundas --
tudo bastante insalubre. A
visita não dura mais que
dois minutos, e é tão real que
na estréia alguns vomitaram.
J.G.C esperava o
vômito de quem, como ele,
não sabe o que é o inabitável.

V (nota final)

Os antigos moradores
foram com justiça pagos
pelo barraco e por tudo
que eles tinham, inclusive as
roupas, podendo a família
toda regressar ao mato
do qual os coitados nunca
deviam ter posto o pé fora.
Se você ficou curioso,
mas crê que toda a sujeira
pode te macular, saiba
que os monitores do evento
num átimo providenciam a
completa assepsia de todos
logo que se sai da sala.

(ah, o vinho era de ótima safra)

(Paulo Ferraz)

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